Decisão fortalece o arcabouço tributário internacional e impõe nova agenda para empresas com operação global
O Brasil formalizou sua adesão à chamada “Convenção Multilateral para a Aplicação das Medidas Relativas aos Tratados Tributários Destinadas a Prevenir a Erosão da Base Tributária e a Transferência de Lucros” — comumente denominada Instrumento Multilateral (MLI). A assinatura ocorreu em Paris e confirma que o país passará a integrar regime de 105 países que adotaram o mecanismo como forma de modernizar acordos internacionais de bitributação e fortalecer a integridade fiscal.
O que muda com a adesão
- Com a adesão ao MLI, o Brasil se compromete a atualizar cerca de 26 Acordos para Evitar a Dupla Tributação (ADTs) dos quais é signatário, adequando-os aos padrões de transparência, troca de informações e combate à elisão e à evasão fiscal.
- O instrumento cria mecanismo operacional para que cláusulas contratuais, disposições de tratados e práticas contábeis relacionadas a preços de transferência, estabelecimento permanente e abuso de tratados sejam revistas — reforçando que os acordos não sejam usados como forma de “planejamento tributário agressivo”.
- Empresas e grupos econômicos transnacionais com operações no Brasil ou com remessas para o exterior passam a observar impacto maior de compliance tributário internacional, incluindo obrigações de documentação, reporte e possível ajuste de estrutura societária ou contratos.
Impactos práticos para as empresas
- Organizações multinacionais ou que fazem uso de tratados de bitributação deverão revisar seus modelos de operação, estrutura societária, repatriação de lucros, financiamento entre partes relacionadas e alocação regional de atividades para verificar se estarão em adequação com o novo arcabouço.
- A adesão cria maior previsibilidade para investidores internacionais, visto que o Brasil sinaliza alinhamento com padrões de governança e transparência tributária internacional — porém também significa aumento de vigilância e possíveis ajustes de base para contribuintes já estabelecidos.
- Para empresas brasileiras que importam serviços, realizam operações com entidades no exterior ou possuem holdings internacionais, será necessário monitorar os tratados revisados, prazos de transição e possíveis alterações de alíquota ou obrigações acessórias em função do MLI.
Principais pontos de atenção
- A aprovação interna (ratificação) pelo Congresso Nacional ainda é necessária para que os efeitos sejam plenamente operacionais; até lá, permanece cenário de transição com risco de insegurança jurídica quanto aos efeitos de tratados revisados.
- A atualização dos ADTs pode resultar em restrições ou eliminação de benefícios que hoje são utilizados em estruturações fiscais, o que exige que contribuintes projetem cenários adversos e provisão de contingência.
- Sistemas de compliance, contabilidade e fiscal devem antecipar a necessidade de adequação às exigências do MLI: troca automática de informações, revisão de contratos entre partes relacionadas, documentação de substância econômica, reportes e auditorias mais intensas.
- Empresas que atuam em setores intensivos em intangíveis, royalties, licenças ou que possuem centros de lucros em jurisdições de tributação reduzida enfrentarão maior pressão regulatória e necessidade de reavaliação de modelos de negócio.
Recomendações imediatas
- Mapear todas as operações internacionais relevantes: investimentos no exterior, holdings, contratos de serviços entre partes relacionadas, royalties, licenciamento de tecnologia e prestações de serviços internacionais.
- Realizar auditoria interna ou revisão tributária focada em conformidade internacional: verificar se a documentação de preços de transferência, estabelecimento permanente, contratos de inter-companhias e estrutura societária estão preparados para o novo ambiente.
- Simular cenários de impacto considerando revisão de tratados, eliminação de benefícios, novas obrigações de reporte e custos de compliance; atualizar provisões ou contingências em função desses cenários.
- Integrar equipes de fiscal, contabilidade, auditoria e jurídico para coordenar a resposta ao novo arcabouço internacional, elaborar cronograma de adaptação, treinamento e governança revisada.
- Monitorar atentamente o processo de ratificação no Congresso e os prazos de vigência do MLI no Brasil, bem como os tratados que serão ajustados, para antecipar eventuais mudanças normativas ou operacionais.
A adesão do Brasil ao Instrumento Multilateral da OCDE sinaliza que o país reforça seu compromisso com práticas internacionais de transparência, combate à evasão e harmonia tributária global. Para as empresas, trata-se de um momento de viragem: não basta apenas operar conforme a legislação nacional — o paradigma internacional também entra em cena. A governança tributária, os controles de estrutura internacional e a antecipação de cenários tornam-se diferenciais estratégicos para os próximos anos.