A Câmara dos Deputados aprovou o projeto que redefine as regras de compensação tributária, introduz ajustes na dedutibilidade de operações de hedge e institui o Regime Especial de Atualização e Regularização Patrimonial (Rearp). O pacote recompõe o conteúdo de dispositivos da medida provisória sobre aplicações financeiras que perdeu validade em outubro e tem impacto direto na arrecadação de 2026.
O governo busca, com essa aprovação, garantir previsibilidade de receitas e reduzir distorções no uso de créditos fiscais. Para as empresas, o sinal é de endurecimento nos controles de compensação e maior exigência de documentação técnica.
Compensação tributária: foco em comprovação e aderência
A nova modelagem desloca o eixo da compensação do “direito ao crédito” para a “prova de aderência” entre o crédito e a atividade econômica da empresa. Não basta mais ter crédito reconhecido; será necessário demonstrar que ele decorre de operações efetivamente vinculadas à atividade produtiva ou comercial.
Na prática, isso exige um redesenho da governança tributária. O contribuinte precisará apresentar trilhas de auditoria completas, contendo documentos de origem, natureza do insumo ou serviço, NCM, CFOP e relação direta com o processo produtivo. A ausência dessa estrutura aumenta o risco de glosa e autuação.
Três medidas se tornam essenciais:
- Inventariar créditos: consolidar bases únicas e reconciliadas por tributo, período e origem;
- Revalidar elegibilidade: revisar o enquadramento jurídico-contábil e testar a materialidade de cada crédito;
- Aperfeiçoar controles do PER/DCOMP: adotar checagens automáticas de consistência antes da transmissão.
Empresas que tratam a compensação como mera rotina administrativa precisarão reclassificar esse processo como item estratégico de compliance tributário.
Hedge com contrapartes no exterior: dedutibilidade condicionada
As novas regras reforçam que a dedutibilidade de perdas em operações de hedge depende da comprovação de que o derivativo serve à proteção de risco e não à especulação. O texto exige aderência às condições de mercado e comprovação de registro em bolsa ou em balcão organizado, seja no Brasil ou no exterior.
Segundo especialistas do mercado financeiro, essa mudança aproxima o padrão brasileiro das boas práticas internacionais, ao exigir demonstração de “designação” e “eficácia” do hedge, conforme normas contábeis aplicáveis.
Para grupos multinacionais, a consequência prática é a necessidade de integração entre tesouraria, contabilidade e fiscal. Será preciso garantir rastreabilidade entre a exposição coberta (por exemplo, receitas em moeda estrangeira) e o derivativo contratado, além de preservar evidências de preço e registro que sustentem a dedutibilidade perante o fisco.
Rearp: atualização e regularização patrimonial
O Rearp estabelece um regime especial de atualização de bens e regularização de ativos com custo fiscal definido. Pessoas físicas poderão atualizar imóveis, veículos, embarcações e aeronaves; já pessoas físicas e jurídicas poderão regularizar bens e direitos lícitos omitidos ou com dados incorretos.
A tributação incide sobre a diferença entre o valor atualizado e o custo original, com alíquotas específicas para cada categoria de contribuinte. O objetivo é ampliar a base de arrecadação e permitir que ativos historicamente subavaliados passem a refletir valor de mercado.
Essa medida cria oportunidade para que empresas e pessoas físicas ajustem seus balanços patrimoniais, melhorem a transparência e reduzam riscos em auditorias ou operações societárias.
Impactos por perfil de contribuinte
Grandes grupos empresariais
- Precisarão de centros de excelência para gestão de créditos fiscais, com política unificada de compensação;
- Devem formalizar políticas globais de hedge e registrar adequadamente cada operação;
- O Rearp pode ser utilizado para reavaliar ativos legados e reduzir ruídos em due diligences.
Médias empresas
- Devem revisar a documentação de PIS/COFINS e reforçar dossiês de insumos;
- Em operações financeiras, podem precisar de apoio técnico externo para validar preços de mercado;
- Podem aproveitar o Rearp para corrigir inconsistências patrimoniais.
Pequenas empresas e empreendedores individuais
- Precisam de controles básicos de consistência no ERP para evitar compensações indevidas;
- O efeito do hedge é limitado, mas a comprovação da finalidade das operações é essencial;
- O Rearp pode ajudar a separar patrimônio pessoal e empresarial, fortalecendo governança.
Riscos e desafios
Alguns pontos permanecem sensíveis:
- A definição de “relação com a atividade” é ampla e pode gerar interpretações divergentes entre fiscais;
- A documentação exigida para comprovar hedge em mercados estrangeiros ainda carece de padronização;
- A sobreposição de ajustes com a transição para o IBS e a CBS pode gerar retrabalho em cadastros e sistemas;
- O texto ainda seguirá ao Senado, e eventuais ajustes legislativos podem alterar cronogramas de implementação.
Recomendações práticas
Para se adaptar às novas exigências, recomenda-se que as empresas:
- Consolidem bases de créditos fiscais e revisem a documentação de origem;
- Atualizem políticas internas de hedge, formalizando objetivos, métodos e controles;
- Avaliem o ingresso no Rearp, simulando impactos financeiros e societários;
- Estabeleçam comitês de governança tributária, integrando jurídico, fiscal e contabilidade;
- Acompanhem a tramitação no Senado para ajustar o planejamento conforme o texto final.