Falha normativa gera dúvidas operacionais e risco de litígios no processo de transição da reforma tributária
A tramitação da reforma tributária brasileira deixou em aberto uma questão de alta relevância para os estados, municípios e contribuintes: se o IBS (e a Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS) deverá ou não integrar a base de cálculo do ICMS durante o período transitório. Esse impasse decorre de uma supressão normativa considerada por muitos como vício legislativo — uma lacuna de redação que abriu caminho para diferentes interpretações, insegurança jurídica e risco de contencioso em massa.
Origem do impasse
Inicialmente, os textos que precederam a Emenda Constitucional que instituiu a reforma tributária contavam com dispositivo expresso vedando a inclusão do novo tributo na base de cálculo do ICMS. Durante a tramitação, entretanto, esse dispositivo foi suprimido da versão final, sem uma nova regra alternativa clara de incidência.
Como resultado, estados e municípios se deparam com falta de norma expressa que diga: “o IBS / CBS vai ou não compor a base de cálculo do ICMS em 2026 e seguintes”. Essa ausência de clareza é o cerne do vício legislativo: não basta que algo não seja mencionado — é que a constituição da base e da obrigação deveria ter norma complementar específica para evitar interpretação divergente.
Consequências práticas
- Contribuintes que realizam operações interestaduais ou sob regimes específicos encontram-se em zona de incerteza: caso a administração tributária estadual entenda que o IBS compõe a base, a empresa pode vir a pagar maior montante de ICMS, ou ainda ter sua base recalculada.
- Do ponto de vista da arrecadação, os entes federados temem que a não inclusão gere perda de receita; por outro lado, a inclusão sem norma clara pode gerar autopreparo de cobrança que, futuramente, será discutido judicialmente e provocar restituições ou litígios prolongados.
- O risco de que a matéria se converta em nova “Tese do Século” — ou seja, grande litígio tributário consolidado na jurisprudência — é real, visto que o grau de ambiguidade normativa e a importância da matéria são elevados.
- Empresas devem considerar que essa insegurança pode afetar desde o planejamento de crédito/débito até os sistemas de TI, a emissão de notas fiscais, a avaliação de contingências e as provisões tributárias.
Pontos de atenção para contribuintes
- Verificar se há operações em que o IBS ou CBS foram destacados ou considerados como “valor da operação” para fins de ICMS; nesses casos, revisar contratos, notas fiscais e estimativas de base de cálculo.
- Simular o cenário de incidência e o cenário de exclusão para o período de 2026 em diante, considerando que a empresa poderá ser demandada a recolher, além do ICMS, eventuais diferenças acrescidas de juros e correção.
- Ajustar sistemas fiscais, de faturamento e contábeis para que permitam alterar rapidamente a variável “inclusão ou não do IBS na base de ICMS” quando houver norma definitiva — isso reduz risco operacional de retrabalho ou autuação.
- Revisar a governança tributária interna, incluindo auditoria, área fiscal, contabilidade e TI, para monitorar o desdobramento legislativo, acompanhar a norma complementar (Lei Complementar) que eventualmente entrará em vigor, e documentar internamente a análise de risco.
- Acompanhar o cronograma regulatório: a norma definitiva, se vier como lei complementar, deverá estabelecer de forma expressa o tratamento da base, e o fisco estadual poderá emitir orientações, regulamentos ou soluções técnicas aguardadas.
A supressão de regra expressa na Emenda Constitucional e a ausência de norma complementar que defina o tratamento do IBS na base de cálculo do ICMS geraram condição concreta de instabilidade tributária para o período de transição da reforma. A empresa que tratar essa lacuna como contingência fiscal, preparar-se para as duas hipóteses e estruturar seu compliance tributário terá vantagem operacional e reduzirá exposição a litígios futuros.