Reflexões sobre o papel desse novo princípio tributário e os riscos de uso meramente retórico
A reforma tributária brasileira introduziu, no sistema tributário nacional, o princípio da defesa do meio ambiente como elemento normativo explícito. Esse princípio, inerente à ordem econômica e à tributação, exige que os instrumentos fiscais sejam utilizados não apenas para arrecadar, mas também para induzir comportamentos sustentáveis e coibir externalidades ambientais negativas. Apesar do consenso de sua importância, a aplicação efetiva desse princípio exige atenção: há risco de que se transforme em mero “green-washing tributário”, ou seja, discurso sem substância operacional efetiva.
O que prevê o princípio
O princípio da defesa do meio ambiente, introduzido de forma expressa, obriga que o sistema tributário observe, entre outros valores, o respeito à natureza, à sustentabilidade e ao equilíbrio ecológico. Em termos práticos, isso significa que tributos, benefícios fiscais e regimes especiais devem estar alinhados à ideia de que quem degrada o meio ambiente deve arcar com os custos; quem atua de modo sustentável pode merecer tratamento favorável compatível com os demais princípios tributários.
Possibilidades e tensões práticas
Por um lado, o princípio abre espaço para estímulos fiscais: redução de alíquotas para bens e serviços sustentáveis, crédito tributário para tecnologias limpas, regimes especiais para insumos ou processos que minimizem impactos ambientais. Por outro, surgem tensões. Entre as principais:
- A neutralidade tributária: estimular condutas sustentáveis não pode criar distorções de mercado ou tratamento desigual sem justificativa técnica.
- A capacidade contributiva: medidas ambientais não podem resultar em onerosidade excessiva ao contribuinte, sob pena de afrontar vedação ao confisco.
- A competência tributária: cada ente federativo deve atuar dentro de suas atribuições para que o incentivo ambiental tributário não viole regras constitucionais.
O perigo do “green-washing tributário”
Se a adoção do princípio for apenas simbólica — com leis que anunciam benefícios ou regimes especiais de proteção ambiental, mas que na prática não geram mudança de conduta ou permitem regime favorecido genérico — há o risco de que o instrumento tributário atue como fachada. A maquiagem “verde” no discurso, sem política interna consistente, pode minar a credibilidade regulatória e abrir espaço para contencioso fiscal ou distorções concorrenciais.
Implicações para empresas
- Empresas que desenvolvem processos ou produtos sustentáveis devem aproveitar o momento para mapear se poderão reivindicar tratamento fiscal diferenciado, com documentação robusta para demonstrar impacto ambiental real.
- Grupos que dependem de regimes atuais de benefício fiscal devem antecipar revisão de modelos à luz do novo princípio, avaliando risco de que regimes genéricos sejam questionados ou honrados por critérios ambientais.
- A governança de compliance ambiental e tributário torna-se mais relevante: não basta declarar uso de “produto verde”, é preciso comprovar cadeia, processo, auditoria e resultado para reivindicar tratamento tributário alinhado ao princípio.
Recomendações estratégicas
- Avaliar contratos, certificados, processos produtivos e cadeia de valor para identificar se a empresa está em posição de reivindicar estímulo ambiental tributário.
- Documentar o impacto ambiental da atividade, com laudos, monitoramento e indicadores, para estar pronto a demonstrar elegibilidade se surgir regime especial.
- Revisar a matriz de benefícios fiscais e incentivos tributários atuais, avaliando se poderão conduzir a conflito com o princípio se não houver contrapartida ambiental clara.
- Avaliar a exposição ao risco de “lacuna regulatória”: se o benefício for anunciado e o regulamento tardar, documentar que a conduta correta estava em andamento.
- Inserir no comitê de governança tributária a temática ambiental, integrando fiscal, jurídico, sustentabilidade e operações para monitorar o impacto do novo princípio.
O princípio da defesa do meio ambiente representa avanço normativo relevante no sistema tributário. No entanto, sua força prática dependerá da forma como for traduzido em instrumentos tributários, benefícios e regimes verdadeiramente alinhados à sustentabilidade. Se não for tratado com substância, corre-se o risco de que a proteção ambiental acabe sendo apenas rótulo — e o que deveria ser instrumento de transformação torne-se elemento de incerteza ou contencioso. Empresas que anteciparem essa realidade estarão mais bem posicionadas no novo cenário tributário.