O ano de 2026 marcará o início da mais profunda transformação do sistema fiscal brasileiro em décadas. A implementação gradual da Reforma Tributária começa a sair do papel com a entrada em vigor das primeiras fases de testes do novo modelo de tributação sobre o consumo, a introdução de obrigações eletrônicas adaptadas e o lançamento de mecanismos de automação fiscal que prometem redesenhar o relacionamento entre contribuintes e o Fisco.
A partir desse marco, o país embarca em uma jornada que se estenderá até 2033 — quando a transição para o novo regime estará completa, com a substituição total de tributos como ICMS, ISS, PIS e COFINS pelos novos impostos sobre o valor agregado: o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços).
2026: o início da virada fiscal
O primeiro passo concreto será a fase de testes do IBS e da CBS, prevista para janeiro de 2026. Nesse período, haverá uma cobrança simbólica de 1% sobre o faturamento das empresas (0,9% de CBS e 0,1% de IBS). O valor será compensável com créditos de PIS/COFINS, desde que as obrigações fiscais e acessórias estejam em dia.
Essa etapa tem caráter técnico: o objetivo é avaliar a integração dos sistemas eletrônicos, o comportamento operacional das empresas e a consistência das novas bases de dados. A dispensa da cobrança estará vinculada ao cumprimento integral das obrigações fiscais, reforçando o caráter experimental e de adesão responsável.
Em paralelo, o ambiente digital de compliance passará por uma reformulação estrutural. Entram em vigor novos layouts para NF-e, NFC-e e NFS-e, com campos específicos para o IBS, CBS e o Imposto Seletivo (IS). Essa padronização visa unificar informações em âmbito nacional, o que exigirá que as empresas revisem a compatibilidade de seus ERPs e softwares fiscais. Notas fiscais com versões desatualizadas poderão ser rejeitadas, o que torna a atualização tecnológica uma medida preventiva essencial.
Imposto Seletivo e “Pix dos Impostos”: as novidades em teste
Outro destaque é o Imposto Seletivo (IS), cuja fase de testes também começa em 2026. Voltado a produtos e serviços com impacto social e ambiental — como bebidas alcoólicas, cigarros, apostas, veículos poluentes e energia fóssil —, o tributo terá caráter extrafiscal, isto é, mais voltado a desestimular determinados consumos do que a arrecadar. A cobrança plena está prevista para 2027, e os estados já iniciaram o mapeamento de NCMs para adequação.
Entre as inovações em desenvolvimento está o Split Payment, apelidado de “Pix dos Impostos”. O modelo permitirá o pagamento automático de tributos no momento da transação bancária, reduzindo riscos de inadimplência e melhorando o controle de caixa público. A iniciativa ainda está em fase de piloto restrito, sob coordenação da Receita Federal e da Febraban, e deve ser testada inicialmente com grandes instituições financeiras antes de se tornar obrigatória.
Mudanças estaduais, regimes e fiscalização inteligente
A reforma também terá desdobramentos diretos nos níveis estadual e municipal. São Paulo, por exemplo, substituirá a GNRE pelo DARE-SP para o recolhimento de ICMS de importação e implementará o Cadastro CBENEF, obrigatório para manutenção de benefícios fiscais a partir de 2026. Outros estados, como Minas Gerais e Paraná, preparam resoluções e adesões ao modelo integrador nacional.
No campo dos regimes especiais, o governo já discute a extinção gradual dos regimes monofásicos e cumulativos, como os que incidem sobre combustíveis e bebidas, e a revisão de incentivos regionais e isenções específicas. A criação do cashback tributário, voltado à restituição parcial de tributos para famílias de baixa renda, também faz parte dessa frente, com debate ativo sobre a cesta básica e alíquotas reduzidas.
A Receita Federal avançará ainda com a fiscalização automatizada em tempo real, integrando sistemas de notas fiscais, EFD-Contribuições e DCTFWeb. Erros de integração ou inconsistências poderão gerar cobrança automática do percentual de teste, o que reforça a necessidade de sincronização entre sistemas bancários e fiscais.
Rumo à DCTF Unificada e ao Identificador Tributário Único
Entre 2026 e 2027, está prevista a implementação progressiva da nova DCTF Unificada, que substituirá gradualmente a DCTFWeb e a EFD-Contribuições. A Receita Federal também estuda a criação de um Identificador Tributário Único (Split Tax ID), que centralizará a identificação de contribuintes em todas as obrigações acessórias e transações tributárias.
Essas medidas integram o plano de modernização tecnológica do sistema fiscal, que busca permitir o envio automatizado de informações via APIs, conectando diretamente os ERPs corporativos ao ambiente nacional de validação da Receita.
Impactos práticos para as empresas
Para as empresas, o ano de 2026 exigirá planejamento antecipado e atualização de sistemas. As grandes corporações, com operações interestaduais e alto volume de emissão de notas, devem priorizar a adaptação de ERPs, a revisão de rotinas de compliance e o mapeamento de NCMs. Já médias e pequenas empresas enfrentarão o desafio de equilibrar custos tecnológicos e exigências crescentes de padronização fiscal.
A implementação do Split Payment e da fiscalização em tempo real impactará o fluxo de caixa e a gestão de capital de giro, exigindo ajustes contábeis e renegociação de prazos comerciais. Além disso, a integração dos tributos sobre consumo trará uma fase de sobreposição com o sistema atual, o que demandará atenção redobrada à escrituração de créditos e débitos.
Lacunas e próximos passos
Apesar dos avanços, ainda há pontos em aberto. Diversas medidas — como o Split Tax ID, o cashback e a revisão das alíquotas reduzidas — permanecem em fase de estudo e dependerão de regulamentações complementares. A transição completa para o modelo dual de IVA ocorrerá entre 2029 e 2032, culminando em 2033 com a extinção definitiva de ICMS, ISS, PIS e COFINS.
Recomendações
A reforma tributária inaugura uma nova era de governança digital e integração fiscal. Mas o sucesso dessa transição dependerá da capacidade das empresas de se adaptarem a um ambiente mais automatizado, transparente e tecnicamente exigente. Recomenda-se que, já em 2025, contribuintes:
- Revisem seus sistemas fiscais e ERPs para compatibilidade com os novos layouts;
- Implementem rotinas de auditoria eletrônica e reconciliação de dados;
- Acompanhem a regulamentação de benefícios fiscais e cashback;
- Planejem cenários de fluxo de caixa considerando o Split Payment.
A virada de 2026 não será apenas simbólica — ela será o ponto de partida de um novo paradigma tributário no Brasil.