Os efeitos e desdobramentos dos dispositivos que tratam da aquisição de bens de capital no novo regime de tributação sobre o consumo
A publicação da Lei Complementar nº 214/2025 consagrou o novo modelo de tributação sobre o consumo no Brasil, introduzindo os tributos Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Dentro desse contexto, os artigos 108 e 109 merecem atenção especial por tratarem de forma direta da aquisição de bens de capital e de incentivos à modernização produtiva. A seguir, uma análise técnica-reflexiva sobre seus significados, riscos e estratégias para empresas.
O que preveem os dispositivos
O artigo 108 garante o crédito integral e imediato de IBS e CBS na aquisição de bens de capital, conforme as regras definidas nos arts. 47 a 56 da lei.
Já o artigo 109 autoriza que ato conjunto do Poder Executivo e do Comitê Gestor do IBS defina hipóteses em que a importação e a aquisição no mercado interno de bens de capital por contribuinte no regime regular possam ocorrer com suspensão do pagamento de IBS e CBS, não se aplicando o disposto no artigo 108. O § 1° do art. 109 exige que o ato conjunto detalhe os bens contemplados e o prazo do benefício; o § 3° disciplina que, se o bem não for incorporado ao ativo imobilizado, o benefício será revertido com o recolhimento dos tributos acrescidos de multa e juros.
Importância econômica e de governança
Estes artigos representam, na prática, um estímulo direto ao investimento produtivo — as empresas que adquirem bens de capital contam com alívio tributário imediato e podem melhorar seu fluxo de caixa e competitividade. Do ponto de vista de governança, a garantia de crédito pleno simplifica tratamentos anteriores (como regimes de apropriação parcelada) e exige que as operações estejam bem documentadas, com filtros claros de elegibilidade, para evitar questionamentos futuros.
Pontos de atenção e riscos para empresa
- Documentação e controle interno: se o bem de capital não for incorporado ao ativo imobilizado, ou se houver uso diverso do pretenso investimento, há risco de reversão do benefício com cobrança retroativa do tributo mais juros e multa.
- Qualificação do bem: a hipótese de suspensão definida no artigo 109 depende de ato regulatório que ainda precisará discriminar os bens e o prazo. A indefinição normativa gera incerteza sobre a elegibilidade.
- Coordenação de áreas: contabilidade, fiscal, ativo imobilizado e TI devem trabalhar integradas para que a integração do bem ocorra de forma tempestiva e que o registro possibilite comprovar o direito ao crédito ou à suspensão.
- Simulações de impacto tributário: empresas devem incorporar cenários em que o benefício não seja concedido ou seja cancelado, considerando provisões e contingências, pois o estímulo está condicionado à incorporação e à observância das regras.
Estratégias recomendadas
- Realizar um mapeamento de bens de capital planejados para aquisição e verificar a possibilidade de enquadramento nos critérios da lei, condicionando a operação à aprovação regulatória.
- Incluir no orçamento de investimentos o impacto da aquisição considerando crédito integral ou suspensão do tributo, avaliando o efeito no caixa, no ciclo de ativos imobilizados e no fluxo de amortização.
- Atualizar os sistemas de registro de ativo imobilizado para assegurar que a entrada do bem seja registrada conforme as exigências do artigo 108 e que o bem seja mantido no ativo pelo prazo que possa garantir a manutenção do benefício.
- Preparar controle para verificar se o bem continua em uso produtivo e não é alienado ou desativado prematuramente, o que poderia desencadear reversão do benefício.
- Acompanhar o ato regulatório que definirá os bens e prazos no artigo 109, além das normas de transição e os regimes especiais que possam se sobrepor.
Os artigos 108 e 109 da LC 214/2025 evidenciam que a reforma tributária vai além de reorganizar tributos: ela cria instrumentos de estímulo à infraestrutura produtiva e ao investimento de longo prazo. Para empresas, isso exige não apenas execução operacional, mas governança tributária ativa e antecipação estratégica. Estar atento aos critérios de elegibilidade, cumprir os requisitos de incorporação e manter documentação robusta serão fatores decisivos para aproveitar o benefício e mitigar riscos.